Com a legislação federal parada no tempo, tribunais, empresas e governos
estaduais dão um passo à frente ao tratar homossexuais e heterossexuais da
mesma forma:
Um polêmico projeto da então deputada Marta Suplicy trouxe à tona, em 1995,
a luta de pessoas do mesmo sexo para oficializar seus relacionamentos e ter
garantidos por lei direitos de casais heterossexuais – como herança, adoção
e pensão. O projeto nunca foi adiante. Aliás, não há na legislação federal
qualquer menção aos homossexuais. Enquanto os poderes federais caminham
morosamente para vencer seus preconceitos, a sociedade tomou as rédeas do
processo de reconhecimento dos direitos homoafetivos. As conquistas dos gays
foram tantas que, hoje, o pioneiro projeto de Marta está defasado.
Nesses 12 anos, gradualmente, uma transformação social ganhou corpo baseada
em casos isolados que, agrupados, compõem uma obra contundente. No campo da
adoção, parceiros do mesmo sexo têm conseguido registrar seus filhos com
dupla paternidade ou maternidade. O INSS regulou a concessão de auxílio
reclusão e pensão por morte ao companheiro homossexual. Empresas como Banco
do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobras, IBM e os bancos HSBC e
Real/ABN Amro conferem aos funcionários gays a possibilidade de incluir seus
parceiros como dependentes em planos médicos. Em agosto passado, o
governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, concedeu as quatro primeiras
pensões a parceiros de servidores públicos homossexuais.
Existem 13 leis estaduais e mais de 100 municipais que proíbem a
discriminação sexual. "Nosso desafio é ampliar a fiscalização para que elas
sejam de fato cumpridas", diz Claudio Nascimento, superintendente estadual
de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos, da Secretaria de Ação Social
do Rio de Janeiro, e integrante do Grupo Arco-Íris. Ao todo, 25 projetos de
lei que tratam de direitos dos homossexuais tramitam no Parlamento. Um
deles, já aprovado pelos deputados e aguardando apreciação dos senadores,
enquadra a homofobia como crime. "Das minorias, os homossexuais são os mais
excluídos, pois, em geral, não têm nem mesmo o apoio familiar", diz a
desembargadora Maria Berenice Dias, autora do livro União homossexual: o
preconceito e a justiça. "E a família é um ponto de segurança, onde as
pessoas excluídas se fortalecem para enfrentar a discriminação nas ruas, no
trabalho."
PROFESSORAS HOMOSSEXUAIS SÃO DESPEDIDAS
Embora a sociedade tenha avançado nos direitos dos homossexuais, histórias
de preconceito ainda são comuns. No final de abril, Carmem Geraldo, 52 anos,
e Noir Marques, 38, duas professoras da rede pública de Campo Grande, foram
demitidas da Escola Professora Onira Rosa dos Santos por serem homossexuais.
Elas se conheceram em uma escola rural quando passaram a dividir um
alojamento. Apaixonaram- se e resolveram ficar juntas. Um dia contaram sobre
o relacionamento para uma colega e a história se espalhou. Na semana
seguinte, foram chamadas à sala da diretora da escola e dispensadas. Carmem
não pôde nem se despedir dos alunos. O argumento da diretora era que, se o
caso chegasse "ao conhecimento da comunidade, as conseqüências seriam
desastrosas", conforme justificado na ata de reunião da escola. O prefeito
da cidade, Nelson Trad Filho, defende a decisão. Em entrevista à Rede Globo,
disse que aquilo "é inadmissível, porque a escola é feita para ensinar e
para aprender". O casal entrou com um pedido de indenização contra a
prefeitura.
Na primeira vez em que a Justiça concedeu a uma mulher a guarda, ainda que
provisória, do filho de sua companheira falecida, o País acompanhou o caso
como uma novela. Em janeiro de 2002, o juiz Leonardo Castro Gomes, da 1ª
Vara da Infância e Juventude, do Rio, decidiu que Maria Eugênia Vieira
Martins seria a tutora de Francisco Ribeiro Eller, filho biológico da
cantora Cássia Eller. A sentença refletiu os apelos de diversos setores da
sociedade, que reconheceram a importância de Maria Eugênia na vida da
criança: era ela que cuidava da educação de Chicão enquanto Cássia se
apresentava com sua banda pelo Brasil.
Outros tribunais e instituições municipais e estaduais andam a passos largos
à frente dos legisladores federais. Em fevereiro de 2004, a Justiça gaúcha
garantiu o direito de casais homossexuais ratificarem seu relacionamento em
cartório. Em junho de 2006, o Tribunal de Justiça de Goiás declarou ser da
competência da Vara de Família e Sucessões o julgamento de questões que
envolvam relacionamentos homossexuais. Neste ano, na Bahia, foi concedido à
ex-parceira o direito de visita ao filho gerado pela então companheira. A
grande vitória é fazer com que as ações sejam julgadas na Vara de Família e
Sucessões e não na Cível, reconhecendo o vínculo de familiaridade. Dessa
forma, as relações passam a ser consideradas como afetivas e não comerciais.
Na vanguarda dos avanços, estão os registros de dupla maternidade e
paternidade. Os cabeleireiros Dorival de Carvalho Junior e Vasco da Gama, de
Catanduva (SP), foram os primeiros a ser contemplados ao adotarem Theodora
Rafaela Carvalho da Gama, seis anos. A criança vive com eles há dois anos.
Em 1998, Gama teve um pedido de adoção negado sob a alegação de viver um
relacionamento anormal. Hoje, eles pensam em aumentar a família. "Theodora
sempre pede uma irmãzinha. Estamos fazendo planos", diz Junior. Em junho
passado, a 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre deferiu a
maternidade de um garoto à companheira da mãe biológica dele. A criança
passou a ter duas mães, inclusive em sua certidão de nascimento. Em
setembro, foi a vez de um casal de lésbicas do Rio de Janeiro conseguir a
adoção nas mesmas condições.
A empresária Hedi Costa de Oliveira perdeu sua companheira, Sandra Maria
Siqueira, em um acidente de carro há três anos. Sócias em uma editora, elas
tiveram um relacionamento de duas décadas e adotaram três crianças, duas em
nome de Sandra. Um documento registrado em cartório garantiu a tutela delas
a Hedi, após a tragédia. Para garantir que tenham direito à sua herança, a
empresária vai entrar com o pedido de adoção. "As pessoas costumam associar
a homossexualidade ao sexo, e o que constitui a família é o afeto. Nossa
experiência é afetiva", diz Hedi, sobre a convivência com Rafael, 18 anos,
Débora, 17, e José Marcos, 17.
A valorização da diversidade também está em voga nas empresas. "Elas estão
saindo do armário e não só no ponto de conceder benefícios, mas de respeito
ao próximo no ambiente de trabalho", diz Reinaldo Bulgarelli, da Txai
Consultoria, com experiência de 20 anos na área de diversidade. Na IBM, a
inclusão de benefícios para casais do mesmo sexo existe desde 2003 e há um
conselho de GLBT (sigla para gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) . "A
produtividade aumenta quando existe respeito e as pessoas não precisam
esconder o que realmente são", afirma Fabiana Galetol, gerente da IBM.
Na Caixa Econômica, 160 funcionários têm seus parceiros do mesmo sexo
reconhecidos como dependentes no plano médico. No Banco do Brasil, são
aproximadamente 150. O primeiro deles foi Augusto Andrade, 52 anos, analista
sênior da Ouvidoria Interna. Entre vitórias burocráticas e até tecnológicas
– para conseguir incluir dois homens como um casal na base de dados – o
processo de inclusão durou dois anos e foi aprovado em outubro de 2005.
"Tive que fazer uma declaração em cartório de que vivíamos juntos", diz
Andrade, sobre seu companheiro, um professor de 30 anos, que também é seu
dependente no plano de previdência do BB. Maior fundo de pensão da América
Latina, a Previ conta com 90 inscrições de pessoas do mesmo sexo. A primeira
concessão de pensão a um parceiro homossexual saiu neste ano.
A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou no início do mês a
primeira lei federal que proíbe a discriminação contra homossexuais no
trabalho. O projeto segue agora para análise do Senado. Ativistas vêm
classificando a decisão como a mais importante em defesa de direitos civis
desde a década de 90. Há outros países com legislação também avançada. A
Holanda foi a primeira a admitir a adoção de crianças por casais do mesmo
sexo, em 2002. Na Espanha, após quase dois anos de vigência da lei que
permite o casamento homossexual, mais de 4.500 uniões foram realizadas –
houve três divórcios. A Argentina foi o primeiro país da América Latina a
reconhecer a união civil entre pessoas do mesmo sexo. A lei vale para a
Província de Buenos Aires.
domingo, 20 de janeiro de 2008
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